No dia 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu o tema 506, ao julgar o recurso extraordinário 635.659, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, considerou-se a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do artigo 28 da lei 11.343-2006, para fim de afastar a natureza penal das sanções nela previstas relacionadas ao porte de substância cannabis sativa, a maconha. O julgamento teve grande repercussão no País, com muita desinformação, inclusive sobre uma suposta liberação das drogas.
Segundo decisão do STF, o porte de maconha passa a ser considerado ilícito administrativo, tendo, por consequência, a apreensão da droga e a aplicação de sanções de advertência e a obrigatoriedade de comparecimento a programa ou curso educativo.
Um dos pontos nevrálgicos do julgamento foi a criação da “presunção de usuário” para aqueles que estejam com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas – o delegado de Polícia, então, deverá se valer de circunstâncias objetivas que permitam concluir que se trata, mesmo, de situação típica de traficância, como a apreensão de instrumentos para a prática do crime (balança, celulares, anotações etc), quantidade, variedade e forma de acondicionamento da droga. Embora não defina, o STF proibiu o uso por meio de “critérios subjetivos arbitrários”.
Depreende-se que a decisão do Supremo, portanto, passa a exigir uma maior eficiência da Polícia investigativa no combate ao tráfico, indo, assim, ao encontro de inúmeras decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto à obrigatoriedade de os Estados empregarem a diligência devida na apuração e nos processos criminais.
Em resumo: o STF considerou ilegítima a punição a usuários de maconha. Na contramão, aplicou verdadeira ingerência na forma de contenção do expansionismo do Direito Criminal frente a condutas que não tenham densidade de proteção eficiente – e isso, face aos bens jurídicos protegidos pelas já vigentes normas penais.
Em outras palavras: foi estabelecida uma espécie de válvula de contenção do Direito Penal, uma vez que se questiona a legitimidade da violência estatal contra usuários de maconha, ainda mais em tempos em que seu uso medicinal tem sido ampliado e custeado pelo próprio Estado.
A excessiva amplitude da punição em matéria de combate ao tráfico de drogas, particularmente, no que tange o uso da maconha, tem gerado distorção prática na aplicação da lei penal – e não de hoje. Isso porque, os verdadeiros responsáveis pela produção e pela distribuição de drogas não são objeto de investigação por parte do Estado punitivo.
Foi essa disfuncionalidade do Direito Penal, desvinculado do atual contexto histórico-social face ao uso da maconha, que o STF buscou corrigir, de maneira a abranger a criminalidade em sua totalidade, inclusive das classes mais poderosas e ricas da sociedade.
A nova modalidade de punição aos usuários de drogas vem ao encontro do direito de intervenção do Estado na tutela de bens jurídicos, como a saúde pública, em substituição ao Direito Penal – que não estaria presente de forma eficiente nesses casos.
Portanto, longe de tentar legislar, o STF nada mais fez do que preservar o Direito Criminal da decomposição de suas estruturas fundamentais – algo divorciado do que, de fato, o Brasil precisa organizar e aplicar quanto ao assunto em tela.
*Celeste Leite dos Santos é presidente do Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima (Pró-Vítima); promotora de Justiça em Último Grau do Colégio Recursal do Ministério Público (MP) de São Paulo; doutora em Direito Civil; mestre em Direito Penal; especialista em Interesses Difusos e Coletivos; e idealizadora do Estatuto da Vítima, da Lei de Importunação Sexual e do Projeto Estadual 130/2016 de Igualdade Plena de Homens e Mulheres.
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