Os debates entre os candidatos à Prefeitura de SP têm escancarado uma problemática muito maior do que uma simples discussão política televisiva. A recente troca de agressões entre José Luiz Datena (PSDB) e Pablo Marçal (PRTB) durante um debate ao vivo no último domingo e as provocações e tumultos do embate transmitido nesta terça-feira, 17, mostram mais do que uma disputa de egos. Os episódios retratam como o machismo oprime e sufoca os próprios homens, forçando-os a desempenhar papéis de dominação e agressividade que acabam perpetuando ciclos de violência e fragilidade emocional. O comportamento explosivo de Datena e a postura desafiadora de Marçal revelam nuances de uma masculinidade tóxica que machuca ambos os lados.
Segundo a psicanalista Ana Lisboa, “o que vimos naquele momento foi um reflexo da pressão constante que o machismo impõe sobre os homens. A ideia de que eles precisam estar sempre prontos para se defender e nunca demonstrar vulnerabilidade é o que resulta em explosões como a de Datena, e também no comportamento provocador de Marçal”. Para Lisboa, ambos estavam cumprindo um papel socialmente construído, onde ceder ou demonstrar fraqueza não são opções. O resultado? Agressão, seja ela verbal ou física.
Marçal, por sua vez, ao adotar uma postura que desafiava a autoridade de Datena, também participa dessa dinâmica. “Muitos homens acreditam que precisam provocar ou desestabilizar o outro para reafirmar sua própria posição de força. Marçal parecia querer fazer isso ao não recuar diante de Datena, alimentando um ciclo que inevitavelmente culminaria em conflito”, analisa Lisboa. Esse comportamento, por mais contido que possa parecer em comparação à explosividade de Datena, também faz parte de uma cultura de confronto, onde o diálogo é substituído pela disputa de poder.
Um estudo da American Psychological Association revela que homens são socialmente condicionados a não demonstrar fraquezas e a lidar com desafios de maneira competitiva, muitas vezes recorrendo à violência. No episódio entre Datena e Marçal, vemos esses traços masculinos internalizados se manifestando de formas diferentes, mas igualmente prejudiciais. Datena, com sua agressividade explosiva, e Marçal, com sua provocação até o limite, exemplificam dois lados de uma mesma moeda: ambos reféns de uma masculinidade que valoriza o conflito em detrimento da empatia e do diálogo.
Para Ana Lisboa, o impacto dessa masculinidade tóxica vai muito além de momentos públicos como esse. “A agressividade, disfarçada de força, acaba invadindo outros espaços, especialmente os relacionamentos íntimos. Isso afeta não apenas os homens, mas as mulheres com quem eles se relacionam, pois esses comportamentos agressivos são reproduzidos no ambiente familiar e nas interações sociais”, explica. O ciclo de agressão, de acordo com Lisboa, se retroalimenta: “Homens que não conseguem lidar com suas emoções reprimidas frequentemente descarregam suas frustrações sobre as mulheres, muitas vezes de forma inconsciente, mas igualmente danosa”.
Essa dinâmica afeta diretamente a vida das mulheres, que acabam sofrendo as consequências de uma sociedade que normaliza a violência masculina. “As mulheres, nesse cenário, tornam-se o alvo dessas emoções mal resolvidas. Elas são silenciadas, diminuídas e frequentemente colocadas em situações de abuso emocional ou físico. Esse é o impacto mais doloroso do machismo para elas”, ressalta.
Além disso, é preciso considerar o efeito dessa masculinidade nos próprios homens. Para a psicanalista, a pressão por demonstrar poder e controle leva a um ciclo de solidão e distanciamento emocional. “Homens que não se permitem mostrar vulnerabilidade acabam vivendo vidas emocionais empobrecidas, o que compromete suas relações mais íntimas. A dificuldade de dialogar e resolver conflitos de maneira saudável acaba afastando aqueles que mais importam, como suas parceiras, filhos e até amigos”, alerta Ana.
No caso específico de Datena e Marçal, o que poderia ter sido um diálogo civilizado rapidamente se transformou em uma batalha de egos. Ambos foram condicionados por uma cultura que confunde assertividade com agressão, e o resultado foi uma demonstração pública de como o machismo prejudica até mesmo aqueles que tentam encarnar seus valores.
Mas há esperança, segundo Ana Lisboa. “A transformação é possível. Homens precisam entender que a verdadeira força está na capacidade de se expressar sem recorrer à violência, e que vulnerabilidade não é sinônimo de fraqueza. Ao reconhecerem seus próprios limites e aprenderem a lidar com suas emoções, eles podem começar a construir relações mais saudáveis”, afirma.
Para Lisboa, essa mudança não beneficia apenas os homens, mas também as mulheres, que deixam de ser vítimas de um ciclo de agressão e passam a ser parceiras em um relacionamento mais equilibrado e respeitoso. “Quando ambos os gêneros conseguem quebrar esses padrões destrutivos, vemos um impacto positivo não apenas nas relações individuais, mas em toda a sociedade”, conclui a especialista.
A cena protagonizada por Datena e Marçal não foi apenas um incidente isolado. Ela reflete uma realidade dolorosa e complexa, onde o machismo impõe comportamentos que alimentam a violência e o distanciamento emocional. Romper com esse ciclo não é apenas uma questão de escolha individual, mas de sobrevivência emocional – para homens, mulheres e as futuras gerações.
*Ana Lisboa @analisboa – Psicanalista, líder do maior movimento de Feminino e Mentalidade do Mundo, Ana Lisboa é especialista em construção de comunidades e terapias sistêmicas, sendo pioneira em grandes movimentos na história das Constelações Familiares, tanto no Brasil como na Europa. Atualmente, após impactar milhões de vidas em suas redes sociais e possuir uma comunidade de mais de 32 mil alunas em 41 países, Ana ensina mulheres a usarem sua potência máxima para conquistarem dignidade e liberdade. Professora, Palestrante, Advogada, Empresária, mestranda em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade de Lisboa, especialista em Direitos das Mulheres, com quase uma década de aprofundamento nos conhecimentos sistêmicos, é fundadora do Movimento Feminino Moderno e CEO do Instituto Conhecimentos Sistêmicos